Crônica

Viver é levar a alma para viajar

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Viajar. Se mover. Ir e vir. Dar início a uma aventura já pensando em adiar seu fim.
O pé na estrada, passagens na mão, mochila nas costas ou bagagem despachada. Não importa quando e nem quanto tempo, se você está indo, já está no caminho certo. O pulmão pede por ares diferentes e o cérebro implora por lembranças novas, a vida que ainda não aconteceu é o que te espera lá fora. As fotos que vão ser tiradas já fazem sorrir aqueles que aparecem nelas, as histórias que vão ser contadas e os perrengues que vão acontecer fazem parte daquilo que o dinheiro não paga. O melhor da vida não tem preço. E por mais que viajar seja caro, é o único jeito de ir e voltar sempre mais rico.
Toda viagem é válida, seja pra cidade vizinha ou pro outro lado do país. Só um fim de semana ou o tempo que for preciso pra não se lembrar mais qual o dia da semana, muito menos do mês, ou que horas são. Aproveitando aquilo que está acontecendo e não se lembrar de registar cada momento por só estar muito ocupado apenas vivendo. E quem viaja sabe que a ausência de fotos significa explosão de memórias. Cada mergulho é um flashback.
Viajar é reaprender a viver. Desacelerar, se aventurar, mudar o ritmo e testar outra frequência. Se não estamos em casa todo teto pode se tornar um lar. Mesmo que temporário. Ainda que rápido. Se no canto em que estivermos houver amor, estará perpétua a alegria de quem por ali passou. E há quem vá dizer que isso não é possível, que os lugares não tem memória e que os cantos são somente vértices mas respire fundo, feche os olhos e se pergunte se os arrepios que te acontecem sem que haja vento a soprar não são os lugares te sussurrando histórias de quem já esteve ali nesse seu mesmo lugar.
Viaje. Se mova. Vá e volte. Dê início a uma aventura que não queira mais que acabe.
Jogue fora seus conceitos, abra a caixa, perturbe sua zona de conforto, abrace preconceitos e os esmague até que eles deixem de existir. Peça emprestado uma barraca, junte os amigos e compre protetor. Crie coragem e vá se divertir.
Você se lembra da última vez que colocou seus pés no chão? Descalço para caminhar. Mexendo os dedos na areia para vê-los afundar. Correr na terra batida e ter na sola do pé a mancha alaranjada que dali vai demorar a sumir. Você ainda se lembra das histórias das suas cicatrizes? Ou não as tem? Está na hora de ter. Está na hora de ter mais. Cair, levantar, se sujar, passar medo e quem sabe sangrar um pouco. Nada que te afete por fora mas te expanda por dentro. Acorde sua adrenalina, libere endorfina, sue e sorria.
Passe por apertos e por lugares apertados. Dê um mergulho. Diga oi ao mar ou perca a voz ao ouvir a queda de uma cachoeira. Ligue para o fundo do mar usando uma concha ou abra os olhos em baixo d’água e veja como o sol brilha na água cristalina. A água salgada te lava a alma, mas a água doce te devolve.
Vá e não pense em voltar. Volte e planeje ir de novo. Vá com outros e vá sozinho. Lembre-se que ir é o caminho. Tenha em si que há um mundo inteiro para se descobrir e que vários dentro de você querendo sair. Afinal, viver é levar alma para viajar.

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Minas Gerais. Um carnaval. E muitas cachoeiras.
O avião saiu de Goiânia com destino à São Paulo e ônibus de lá com destino à Lavras, e só mais tarde saberíamos que nesse translado ainda haveria uma van que nos levaria direto para Carrancas. Esse último meio de transporte foi só um atalho que cinco amigos desesperados arranjaram para chegar logo nesse feriado banhado de cachoeiras.
A barraca erguida no Camping Sossego do Jeca teve como vizinhos todo tipo de folião. Inúmeras famílias e crianças correndo. Cariocas, paulistas, mineiros, gaúchos, goianos e desconhecidos. Em pouco tempo, dentro de cada barraca havia uma festa. Houve quem levou quase a casa inteira, com direito a fogão, bujão, cama e mesa. E teve quem quase ficou sem comer por ter preparado a comida antes de verificar a disponibilidade de talheres. Acontece.
Aconteceu, e foi incrível.
Nem só de sol vivem os feriados, a chuva nos alcançou e por pouco não nos castigou. O Camping conta com estoque de lonas e foram elas que nos protegeram. Mesmo que um cadarço tenha se perdido no caminho e que sacolas plásticas tenham sido usadas como cordas, foi uma experiência que eu realmente recomendo. Ainda que em algum momento você se veja dentro de uma barraca que comporta três pessoas porém abrigando cinco amigos e muitas malas. Experimente. Acordar aos risos, mesmo com o mau humor matinal pré-10h, é algo que só uma viagem diferente consegue proporcionar.
Um destino fora do convencional e descobertas diárias que fizeram tudo ser mais divertido. Desde a alimentação básica e leve de água, cup noodles, queijo quente e bolo de cenoura, até conseguir todos os wi-fis disponíveis na cidade e ainda dizer adeus se sentindo próprios cidadãos. Com comida em fundo de quintal, músicas de igreja sempre pontuais e paisagens inacreditáveis ao alcance de um piscar de olhos. Tudo com direito a toda simplicidade que só cidadezinhas do interior conseguem oferecer.
Seis dias de viagem e doze cachoeiras para levar pra história. Poço do Beija-Flor, Cachoeira das Esmeraldas, Poço do Louva Deus, Poço dos Três Irmãos, Escorregador da Zilda, Cachoeira do Escorregador, Cachoeira dos Índios, Cascata da Zilda, Cachoeira da Proa, Grão Mogol, Lagoa Azul e Cachoeira do Salomão.
Um pedaço de mim ficou em cada uma delas mas trouxe comigo a paz que cada uma delas me deu. Cada sol que ardeu na pele, cada calo que apareceu, cada água que faltou e cada caminho que parecia não acabar. Tudo valeu a pena quando a água gelada finalmente nos disse boas-vindas e as quedas d’água nos massagearam as costas.
Por mais que a tecnologia esteja avançada e ainda que aplicativos sejam feitos para facilitar a nossa vida, nem sempre devemos dispensar os métodos convencionais de se comunicar. Abrir a boca e perguntar. Quem tem boca, passeia em Carrancas. E graças à Poliana Turismo conseguimos conhecer o Complexo da Zilda e o Grão Mogol, sem precisar andar 10km a pé, no sol e com deficiência de água no caminho, por já termos começado a andar e não valer a pena voltar. Tudo isso em companhia fiel de três dogs que foram conosco na busca eterna da “próxima à direita” que finalmente nos levaria à Cachoeira das Esmeraldas. Com muito suor e quase em lágrimas, chegamos. Onde estariam Fred, Lola e Três, permaneceu um mistério pelo resto da viagem.
Tudo o que é bom dura pouco, mas ainda bem que esses dias de viagem passaram com a preguiça que todo feriado deve ter e com toda a alegria que o carnaval sempre tem. Outros feriados virão, e outras viagens acontecerão. Se não, a criatividade está ai pra criamos pretextos e arrumarmos a mala. Só vai e confia.
Agora você conhece Carrancas, e é como costumam dizer: Para Minas Gerais nunca é tchau, é sempre até a próxima.